O diferente também é bonito

Há alguns dias, num desses momentos ociosos entre uma tarefa e outra e como resultado da onda “Barbie” que se espalhou pelo mundo e redes sociais, dei comigo a pensar no conceito de “bonito” de uma maneira geral.

Mas mais particularmente nos padrões de beleza enraizados, década após década, na nossa sociedade africana e como isto se reflete em várias áreas da nossa vida, influenciando grandemente como nos comportamos sozinhos e/ou acompanhados.

Muitos de nós, moçambicanos principalmente, crescemos a ouvir expressões:

“Tens um cabelo ruim/mau ou tens um bom cabelo.”
“Ela(e) até é bonita(o), só é escura(o) / baixa(o) ou alta(a) demais / magra(o) ou gorda(o) ou magra(o) demais (…).”
“É preciso apurar a raça” – significando muitas vezes, clarear a pele.
“Se não fosse aquele nariz de batata (…).”
“Nem parece, mas é inteligente.”
“Não ligues, ela é loira.” – referindo-se muitas vezes a limitações de inteligência.
“Mulato sem Bandeira.”

Poderia continuar com muitas mais expressões desta natureza, mas este não é o foco. Na verdade, este artigo pretende em última instância convidar a comunidade Naturalíssima a uma reflexão sobre o impacto destas e outras expressões em nós, como indivíduos e como parte de uma sociedade.

Vamos por partes, iniciando com o conceito de padrão de beleza: este é nada mais que uma construção social referentes às normas estéticas impostas por determinado grupo social. Neste sentido, facilmente consegue-se, pelo seu conceito, perceber que os critérios de atribuição do adjetivo “bonito” ou “belo” acabam por ser arbitrários, pois variam não só ao longo do tempo, mas também de uma cultura para outra, entre faixas etárias e até de acordo com a necessidade do mercado cosmético.

Por exemplo, nas sociedades em que a fertilidade é algo importante, as mulheres mais voluptuosas e avantajadas são consideradas mais belas; nos anos 1960-70 , o padrão de beleza popularizado era o das mulheres altas, magras e sem curvas acentuadas; na Birmânia, bonitas são as mulheres com os pescoços alongados através de anéis metálicos, etc.

Pessoas consideradas “normais” têm falhas e defeitos

Mas, sejamos realistas: pessoas consideradas “normais” têm falhas e defeitos ou algo que gostariam de melhorar, em termos de aparência, no seu corpo. É de certa forma injusto que nos sintamos mal por algo que foi determinado geneticamente e que, muitas vezes, nem sequer temos o poder de mudar: textura do cabelo, cor da pele, sardas, estrias, rugas, etc.

Em tempo de redes sociais e de popularização de corpos perfeitos é importante prestarmos atenção em aspectos que não só impactam a nossa noção de belo, mas também a nossa mente, comportamento e até aos nossos bolsos.

Das frases acima mencionadas, confesso que há uma que resolvi dar destaque especial pelo paradoxo que ela representa para mim. A famosa “está bem para alguém de x anos”.
Ora vejamos, embora esta frase muitas vezes seja recebida como um elogio, inclusive por este ser humano que vos escreve, se analisarmos bem, existe a outra face da moeda, em que, implicitamente, estamos a afirmar que a pessoa de x anos de idade estaria “mal” apenas por ter a idade que tem. Aqui para mim é que o cérebro começa a dar voltas, pois chego à conclusão que, involuntariamente ou até de forma quase inconsciente, faço parte dos que associam a beleza à juventude. Contudo, por outro lado e simultaneamente, sou apaixonada pelo processo de amadurecimento humano e acredito que, se cuidarmos da nossa saúde física, mental e emocional, esta é das mais lindas jornadas que podemos fazer.

Particularmente preocupa-me o exemplo que estamos a dar às nossas crianças e jovens, no que respeita aos padrões de beleza que nos foram impostos e dos quais não nos libertamos. É na infância que começa a construção da capacidade de acreditar no próprio potencial e é na adolescência que existe uma maior necessidade de se identificar e fazer parte de um determinado grupo social. Muitas crianças negras crescem a ouvir as frases descritas acima e histórias sobre a escravatura, sem sequer saberem que foi uma mulher negra que criou o método de tratamento contra a lepra (Alice Ball).

Se alimentarmos estas jovens mentes com a ideia de um traço físico é melhor ou superior ao outro, isto pode trazer consequências graves como:

  • Despersonalização e perda de estilo e identidade própria;
  • Distúrbios alimentares e mentais devido a frustração por não alcançarem determinado padrão;
  • Gordofobia – preconceito ou aversão a pessoas acima do peso ou obesas;

Mais do que descolonizar os territórios, temos que descolonizar as nossas mentes e quebrar ciclos de auto sabotagem a autoestima individual e colectiva. O racismo estrutural e sistêmico, principalmente caracterizado pelo racismo estético, resultante destes padrões de beleza, muitas vezes restringe acessos e oportunidades (influenciando até no tipo e qualidade de serviços prestados) e objetificando e sexualizando os grupos discriminados (quem não conhece a expressão “mulata boa”?).

Mas como nem tudo são más notícias, há que reconhecer o surgimento do movimento Body Positivity em 1996, originado pela criação do site The Body Positive pela teraupeta Connie Sobcza, que defende que qualquer indivíduo tem direito a ter uma imagem positiva do seu próprio corpo, independentemente dos padrões vigente e o seu impacto nos tempos actuais.

Não é necessário amar todas as partes do nosso corpo (talvez até seja utópica essa pretensão). No entanto, é crucial que tenhamos em mente que a aparência não determina o valor do ser humano.
Neste sentido, existem algumas atitudes que podem ser assumidas e praticadas com o objectivo de melhorar a nossa consciência estética e aceitação individual:

  • Compre e use roupas que valorizam o corpo que tem agora, não o que você espera ter amanhã;
  • Doe as roupas que estão muito pequenas ou muito grandes para seu tipo físico. O objetivo é ficar confortável e se sentir bem;
  • Nas redes sociais, use contas que promovam o Body Positivity ou abordem assuntos que lhe façam sentir bem e não se compare;
  • Encontre uma atividade física que lhe dê prazer e comece aos poucos. O mais importante é fazer algo que fortaleça seu corpo do que o modelar para seguir um padrão;
  • Coma alimentos saudáveis no seu dia a dia por eles fazerem bem para você – e não para alcançar o peso ideal.

Que o diferente nos ensine cada vez mais a valorizar o específico e bem haja a todos nós.

Até a próxima, naturalíssimas e naturalíssimos.

Camila Sequeira e Paco

Fundadora e autora do Naturalíssima.

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